segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Encontros de fevereiro





Como ter um parto respeitoso?
Por Melina Freire

Pode parecer tragicômico dizer que um parto respeitoso não se encontra em prateleiras de loja, não tem fórmula ou segredo mágico. Não é possível “resolver rapidinho”, contratando uma doula ou umx enfermeirx obstetra, tanto menos deixando qualquer outrx parente dx bebê (em geral, aquelx que trabalha na saúde) decida o caminho por que “já viu essa história mil vezes.”.

Não é à toa que a coordenação do Ishtar Fortaleza decidiu substituir o famigerado termo “Humanizado” para “respeitoso”. A primeira expressão surge de uma política de saúde pública, veiculada pelo Sistema Único de Saúde brasileiro, visa ratificar os propósitos do SUS. Foi criada no sentido de construir uma nova percepção de assistência, produção de saber e poder com foco na transformação social. A Política de Humanização sustenta – se sobre os seguintes princípios: valorização da dimensão subjetiva na assistência à saúde, produção de conhecimentos comprometidos com a sociedade, fortalecimento do trabalho multidisciplinar e atuação em rede e educação em saúde, além da participação popular. Busca atuar em todas as esferas do sistema, assistência, gestão, educação e participação popular. Ou seja, a Humanização está longe de ser uma coisa. É um movimento político, insurgente das infindáveis lutas pela garantia de direitos da população, no Brasil.

Na última década, com a criminosa epidemia de cesarianas em nosso país, com alarmantes casos de violência, abusos e negligência quanto ao parto e saúde da mulher como um todo, movimentos da sociedade civil e de profissionais de saúde passaram a lutar pela disseminação de informações seguras, com o fim de colocar a mulher/família no centro das decisões (assim como pretende garantir a política de Humanização). O tempo passou, a força dessas palavras, outrora timidamente expandidas, ganhou corpulência, complexidade e... mercado! De antemão, deixo claro que essa humilde autora não é contra a oferta de serviços particulares em relação aos nascimentos, mas o fato de ser colocado como produto/serviço pode ter causado uma profunda confusão no significado de se viver um “Parto Humanizado”. Para algumas mulheres/famílias, contratar a equipe pelo facebook já é tudo, depois basta esperar a filmagem editada e postar no youtube, certo?

Não mesmo. Ter a oportunidade de vivenciar um nascimento respeitoso é uma construção que, muitas vezes, se inicia antes da concepção e vai muito além do parto. O primeiro passo talvez seja compreender as perspectivas da família, se elas são reais ou balizadas pelas redes sociais. Quais as minhas expectativas? Informação, informação, informação SEGURA! O caso da filha da vizinha, da prima, do porteiro, da gerente do mercadinho não conta como evidência, por favor. Tanto menos o vídeo (lindo) no youtube que, em geral, são trabalhos editados, realizados por profissionais gabaritados para produzir aquela linda recordação. Onde posso ter acesso a informação segura? Bem orientadas, as famílias se sentem mais tranquilas em questionar o profissional de saúde, em estabelecer uma relação horizontal, de co – responsabilidade e clareza. Aí, encontramos uma série de infinitas nuances, tendo em vista que os relacionamentos humanos são complexos e singulares. É importante que a mulher siga sua intuição e perceba em que terreno é mais seguro construir
essa estrada. Como escolher os profissionais para me acompanhar? Ou como transformar positivamente as relações com os profissionais que me acompanham? O Plano de Parto, documento construído pela família, em geral, com apoio da equipe de saúde pode ser um ótimo aliado. Nele, são colocadas todas as expectativas quanto aos procedimentos possivelmente realizados na mãe e no bebê. Ainda não é clara sua validação jurídica, mas não deixa de ser um registro, uma documentação da família quanto ao seu posicionamento e desejos. Compreendo o Plano de parto como um importante exercício, através dele, a mulher se vê diante de todas as intervenções possível e passa a compreender o sentido de cada uma delas. Por fim, o apoio de outras mulheres/famílias nos grupos de gestantes/casais grávidos vem se mostrando uma ferramenta poderosa. Momentos coletivos de orientação e suporte emocional vêm se construindo como espaços potentes de transformação e empoderamento.

Para se conseguir um parto respeitoso, é preciso que o primeiro passo seja firme e terno, o conhecimento. Somente a partir desse todos os outros se desenrolarão.

Fonte: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/humanizasus_2004.pdf

Nenhum comentário: