quinta-feira, 30 de junho de 2016

Nota ao Sr. Alan Neto


No dia 26 de junho, o jornalista Alan Neto publicou, em sua coluna no Jornal O Povo, um comentário desinformado, preconceituoso e ofensivo em relação às doulas, tendo sugerido que elas deveriam deveriam “ir plantar batatas”, expressão que nesse contexto desqualifica o trabalho dessas profissionais, o qual o jornalista demonstra desconhecer, pois na coluna também o compara ao ofício das parteiras tradicionais, utilizando outra expressão que o desqualifica: “tucanaram a parteira”.

O Ishtar Fortaleza optou por publicar uma nota, rechaçando a atitude do jornalista e pedindo sua retratação. 

NOTA

Sr Alan Neto, é com pesar que lhe enviamos essa nota, posto que acreditávamos que um jornalista de tão esmerada jornada jamais se prestasse a tamanha gafe. É preciso que fique claro que intenciona-se preservar a livre expressão e que, de forma alguma se está partindo do princípio que há assuntos específicos para determinadas pessoas. Afinal, o senhor é um jornalista esportivo, mas aventura-se em todos os temas da contemporaneidade. Pode ser compreensível a sua ingênua, porém danosa e irresponsável, tentativa de tecer um comentário jocoso acerca da assistência ao parto. Tema esse que o senhor claramente não domina. Não é aceitável, entretanto, que um jornalista, formador de opinião, posicione-se publicamente sobre uma questão tão séria sem, no mínimo, "tomar pé" da situação. Em seu comentário, coloca doula e parteira como uma mesma função. Afirmação incorreta e que promove ainda mais desinformação, confunde mulheres e famílias que, à duras penas, lutam por uma assistência humanizada e respeitosa.

A parteira é uma mulher que dentro de uma cultura tradicional assiste partos de maneira leiga, ou seja, sem respaldo de conhecimento científico. Em geral, acompanha mulheres que não tem acesso ao hospital ou equipe técnica domiciliar. Em sua versão mais urbana, denomina-se parteira também as obstetrizes, enfermeiras obstetras e médicas que igualmente assistem partos. A doula, por sua vez é uma ACOMPANHANTE DE PARTO TREINADA, e sua função foi reconhecida no Brasil e consta no Catálogo Brasileiro de Ocupações desde 2014. A ela compete apoiar a mulher durante o trabalho de parto, promovendo alívio não medicamentoso do desconforto causado pelas contrações, promovendo um ambiente acolhedor, suporte emocional, ou seja, a ela não compete qualquer responsabilidade técnica na assistência a parto. Está longe do conceito de “parteira tucanizada” , sequer são as mesmas personagens na cena de nascimento.

A Humanização do Parto é uma luta de muitas décadas e sob ela habitam muitas histórias de violência, cerceamento e sofrimento de mulheres. Talvez não seja uma esfera das preocupações sócio-políticas que o absorva e, por isso, acreditamos que, antes de escrever publicamente seria no mínimo prudente pesquisar sobre o assunto. Esse é o seu trabalho. Diante da Luta pelos Direitos Sexuais e Reprodutivos das Mulheres, pela vida de incontáveis famílias tragicamente afetadas por uma assistência violenta e patriarcal, consideramos de fundamental importância que haja retratação pública em relação às doulas, parteiras e todos os demais envolvidos na luta pela Humanização da Saúde. 

Sem mais,
Ishtar – Grupo de Apoio à Gestação e ao Parto Ativo.

terça-feira, 15 de março de 2016

Encontro de Março





É comum fazer alusões a sofrimento ou sacrifício quando ouvimos falar da dor para parir. Que tal desconstruir um pouco a tão famosa “dor do parto”? Para isso, é preciso compreender seu significado.

A verdade é que desperdiçamos muito tempo das nossas vidas fugindo das mais diversas dores, pois aprendemos que só temos a perder com algo que é mais forte que nós, invencível. Logo, assimilamos que evitar toda situação dolorosa é a atitude mais racional. Se entregar a ela é ser derrotado... Mas eis o grande desafio da mulher gestante que cogita a possibilidade de parir: Como vou enfrentar a dor, algo tão supremo e que se manifesta com tanto poder sobre mim? E então, convido você a dar uma chance ao improvável: Mergulhar na dor. Buscar compreendê-la enquanto fenômeno natural.

O trabalho de parto é um processo. E como tal, possui algumas etapas que são definidas de diversas formas: Fase latente, ativa, expulsivo... No entanto, a melhor forma que encontrei de assimilar essas etapas é conhecendo o que elas representam, pois cada mulher é um infinito, o que significa dizer que nada é absoluto ao ponto que se diga: em todas as gestantes acontece de forma X ou Y. Fisiologicamente, o que uma mulher precisa enfrentar para parir?

Quando se aproxima o final da gestação, é normal que venham as contrações, que são como ondas, que vem e vão. Sentir contração não significa estar parindo. Significa que o colo do útero está em processo de dilatação no intuito de abrir passagem para ao bebê, que também exerce pressão na região. A tendência é que essa etapa seja a mais longa do trabalho de parto, até que as contrações se tornem cada vez mais intensas e regulares.

É importante lembrar que este processo não é apenas fisiológico. Neste meio tempo, é preciso contribuir para a segurança e determinação da mulher, através do olhar, carinho, compreensão. O simples “estar a sincera disposição” faz a diferença. Por influência da modernidade e da sociedade “a mil” em que vivemos, nós mulheres deixamos pra traz nosso lado selvagem e instintivo. Reencontrar esse lado só tem a contribuir para que o processo se desenrole e a mulher consiga protagonizar o seu momento, deixando de olhar para o mundo externo e olhando para si, conhecendo sua força e poder.

A contração e seu processo de preparar a passagem junto à pressão que o bebê exerce afinam o colo do útero, culminando na expulsão do bebê. É o momento de fazer força até que a cabeça dele surja formando o “círculo de fogo”. Algum tempo depois, aplacenta, responsável pela nutrição e troca hormonal entre mãe-filho durante a gestação, também é expulsa. É o desfecho de um ciclo e o início de outro. Não é a toa que parir é dar a luz. A dor de cada fase do trabalho de parto é um pedido de recolhimento. Mergulhe, se permita, não resista, se entregue. A dor do parto é grande, mas é preciso parir!

Texto por Kauhara Hellen, coordenadora do Ishtar Fortaleza.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Encontros de fevereiro





Como ter um parto respeitoso?
Por Melina Freire

Pode parecer tragicômico dizer que um parto respeitoso não se encontra em prateleiras de loja, não tem fórmula ou segredo mágico. Não é possível “resolver rapidinho”, contratando uma doula ou umx enfermeirx obstetra, tanto menos deixando qualquer outrx parente dx bebê (em geral, aquelx que trabalha na saúde) decida o caminho por que “já viu essa história mil vezes.”.

Não é à toa que a coordenação do Ishtar Fortaleza decidiu substituir o famigerado termo “Humanizado” para “respeitoso”. A primeira expressão surge de uma política de saúde pública, veiculada pelo Sistema Único de Saúde brasileiro, visa ratificar os propósitos do SUS. Foi criada no sentido de construir uma nova percepção de assistência, produção de saber e poder com foco na transformação social. A Política de Humanização sustenta – se sobre os seguintes princípios: valorização da dimensão subjetiva na assistência à saúde, produção de conhecimentos comprometidos com a sociedade, fortalecimento do trabalho multidisciplinar e atuação em rede e educação em saúde, além da participação popular. Busca atuar em todas as esferas do sistema, assistência, gestão, educação e participação popular. Ou seja, a Humanização está longe de ser uma coisa. É um movimento político, insurgente das infindáveis lutas pela garantia de direitos da população, no Brasil.

Na última década, com a criminosa epidemia de cesarianas em nosso país, com alarmantes casos de violência, abusos e negligência quanto ao parto e saúde da mulher como um todo, movimentos da sociedade civil e de profissionais de saúde passaram a lutar pela disseminação de informações seguras, com o fim de colocar a mulher/família no centro das decisões (assim como pretende garantir a política de Humanização). O tempo passou, a força dessas palavras, outrora timidamente expandidas, ganhou corpulência, complexidade e... mercado! De antemão, deixo claro que essa humilde autora não é contra a oferta de serviços particulares em relação aos nascimentos, mas o fato de ser colocado como produto/serviço pode ter causado uma profunda confusão no significado de se viver um “Parto Humanizado”. Para algumas mulheres/famílias, contratar a equipe pelo facebook já é tudo, depois basta esperar a filmagem editada e postar no youtube, certo?

Não mesmo. Ter a oportunidade de vivenciar um nascimento respeitoso é uma construção que, muitas vezes, se inicia antes da concepção e vai muito além do parto. O primeiro passo talvez seja compreender as perspectivas da família, se elas são reais ou balizadas pelas redes sociais. Quais as minhas expectativas? Informação, informação, informação SEGURA! O caso da filha da vizinha, da prima, do porteiro, da gerente do mercadinho não conta como evidência, por favor. Tanto menos o vídeo (lindo) no youtube que, em geral, são trabalhos editados, realizados por profissionais gabaritados para produzir aquela linda recordação. Onde posso ter acesso a informação segura? Bem orientadas, as famílias se sentem mais tranquilas em questionar o profissional de saúde, em estabelecer uma relação horizontal, de co – responsabilidade e clareza. Aí, encontramos uma série de infinitas nuances, tendo em vista que os relacionamentos humanos são complexos e singulares. É importante que a mulher siga sua intuição e perceba em que terreno é mais seguro construir
essa estrada. Como escolher os profissionais para me acompanhar? Ou como transformar positivamente as relações com os profissionais que me acompanham? O Plano de Parto, documento construído pela família, em geral, com apoio da equipe de saúde pode ser um ótimo aliado. Nele, são colocadas todas as expectativas quanto aos procedimentos possivelmente realizados na mãe e no bebê. Ainda não é clara sua validação jurídica, mas não deixa de ser um registro, uma documentação da família quanto ao seu posicionamento e desejos. Compreendo o Plano de parto como um importante exercício, através dele, a mulher se vê diante de todas as intervenções possível e passa a compreender o sentido de cada uma delas. Por fim, o apoio de outras mulheres/famílias nos grupos de gestantes/casais grávidos vem se mostrando uma ferramenta poderosa. Momentos coletivos de orientação e suporte emocional vêm se construindo como espaços potentes de transformação e empoderamento.

Para se conseguir um parto respeitoso, é preciso que o primeiro passo seja firme e terno, o conhecimento. Somente a partir desse todos os outros se desenrolarão.

Fonte: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/humanizasus_2004.pdf

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Eu preciso de uma Doula? - 2o. encontro





E janeiro tem mais Ishtar Fortleza!
Para começar a conversa do segundo encontro de janeiro, ainda sobre o tema "Eu preciso de uma doula?", texto maravilhoso de Melina Andrade. Até sábado!

Eu preciso de uma doula?
Por Melina Andrade

Antes mesmo de delinear aqui, para aqueles que ainda não sabem em que consiste uma doula, posso responder que, à grosso modo, a resposta é NÃO! Qualquer mulher, para parir, precisa somente estar grávida e saudável. Sendo assim, por que tanta insistência em infiltrar esse personagem na cena do parto? Por que tantas mulheres se dizem transformadas através da relação que estabeleceram com a doula durante a gestação e o parto? Por que tantos posicionamentos contraditórios quanto a essa profissional, se ela, em tese, não está habilitada para intervir no processo de parto? Ou seja, não pode decidir, não pode fazer exame, solicitar qualquer ordem de procedimento. Nada.
A doula é um personagem antigo, associada ao parto tradicional que, em geral, acontecia em casa. Personificava – se, muitas vezes, nas mulheres mais experientes, próximas afetivamente da parturiente, mãe, irmã, comadre, avó. Auxiliavam a parteira para que ela se mantivesse alerta às necessidades da mãe e do bebê, durante o parto. Não tinham essa titulação, portanto. Era uma “função” adotada naturalmente pelas mulheres do entorno, não era munida de tantas polêmicas, sendo personagem figurante do evento.
Com a transposição dos nascimentos para o ambiente hospitalar, há cerca de seis décadas atrás, bem como a crença sobre a necessidade de monitoramento constante, o excesso de intervenções e a figura do médico como central extinguiram esse elemento das comunidades urbanas. O parto rapidamente perdeu suas características de evento social e familiar para ganhar ares de procedimento médico. Ao binômio mãe – bebê foi dado o lugar de “peças” para manipulação da ciência. A doula surge nesse contexto como uma figura de justa oposição, de resistência. Nasce de uma sociedade que alimenta a ideia de seguridade asséptica e estéril, que insiste em colocar o corpo feminino como objeto, produto, mercado, que fertiliza a competição e o isolamento entre mulheres, dando – as características generalistas: maliciosas, competitivas, mentirosas. Para boa parte da sociedade brasileira, as mulheres ainda pagam pelo pecado de Eva e assim deve – se seguir eternamente.
A doula resiste por seu próprio conceito: uma mulher que oferece apoio contínuo a outra durante um momento crucial, através de palavras, gestos, massagens, olhares, carinho. Faz o contra – peso na balança cultural, quando diz: mulheres são fortes, gostam de estar entre mulheres, são leais às suas companheiras. As mulheres podem parir melhor com amor e suporte de outras mulheres.
A questão está no verbo “precisar”. Desde os primórdios da humanidade e até hoje, mulheres dão à luz a seus pequenxs sem doulas, enfermeirxs ou médicxs. Não é raro termos contato com relatos de parto desassistido, mesmo dentro de um hospital. Portanto, o que está em debate, quando falamos nesse profissional, não é SE a mulher vai parir, mas COMO. Certamente, contratar uma doula não garantirá um parto respeitoso, mas pode fazer parte da construção desse caminho. Durante a gestação, a indicação de fontes seguras para pesquisa (baseada em evidências científicas) pode contribuir para o fortalecimento dessa família no sentido de descobrir que ela pode escolher (à rigor, não é possível ESCOLHER sem informação), que pode ser diferente e muito mais bonito do que o que encontramos no cinema tradicional, por exemplo. Durante o parto, a doula contribui para que a mulher se sinta confortável, para
que ela se conecte com suas necessidades (de movimento, sede, fome, colo), para que o acompanhante, seja familiar ou não, se sinta também mais à vontade e encontre técnicas mais efetivas de apoio e alívio da dor. No pós – parto, o suporte emocional para amamentação e cuidados com o bebê. Pesquisas recentes, apontam que esse suporte contínuo aumentam significativamente o sentimento de satisfação da mulher em relação ao parto, bem como diminuem o tempo de trabalho de parto, a incidência de intervenções medicamentosas para alívio da dor, além de uma série de outros benefícios.
Por fim, a doula não é um finalidade, nela não se resume o parto respeitoso. A doula é um caminho. A melhor maneira de compreender o que faz uma doula, afinal, é conversando com mulheres que pariram e tiveram a oportunidade de receber essa “mão amiga”. Grupos de apoio a maternidade ativa como o Ishtar, por exemplo, vem se espalhando por todo o território nacional. Neles, é possível conhecer a experiência de outras mulheres, tirar dúvidas, construir laços positivos de apoio, captar informações seguras.
O nascimento é um novo mundo que, ali, se inicia. Cuidemos.


Fontes:
http://www.despertardoparto.com.br/doula---o-que-eacute.html http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd04_13.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pnds_crianca_mulher.pdf#page=152 http://www.obasoumae.com.br/doula-e-parto-humanizado-fique-por-dentro-que-e-e-como-funciona/ http://www.partodoprincipio.com.br/#!O-real-desafio-para-a-humaniza%C3%A7%C3%A3o-do-nascimento/cmbz/565b8b6b0cf224052415eb19

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Encontro de Janeiro


O que uma doula faz? Como ela me me ajudar? Ela acompanha somente o parto ou também a gravidez e o pós parto? A doula é importante na cesárea?

Sobre essas e outra dúvidas conversaremos no próximo encontro do Ishtar Fortaleza,  com o tema "Eu preciso de uma doula?".

Veja as informações no cartaz. Compartilhe o convite!

P.S.: O Ishtar Fortaleza está passando por mudanças na sua coordenação. Em breve, informações completas aqui no blog.